segunda-feira, dezembro 20, 2010
terça-feira, junho 26, 2007
Precisamos Ficar Putos!
Não só o próprio espancamento que jovens de classe média aplicaram nessa mulher, dona Sirlei. O que deixa tudo ainda mais grave é uma ensurdecedora falta de indignação diante da "justificativa" que os tais boçais apresentaram: "pensávamos que era uma prostituta".
O delegado chegou a relatar essa "desculpa" para a imprensa, e a condenou. Mas com uma falta de veemência que parecia que os tais débeis mentais haviam apenas cometido um "equívoco", um "erro de avaliação".
Não dá pra deixar de comparar com o caso do João Hélio, da comoção propagada, da exploração político-conservadora que fizeram daquele bárbaro episódio, usando-o como "justificativa" para a ampliação do Estado penal, da criminalização da pobreza e da moralização militar dos "maus costumes" - a velha ode à repressão, máscara de chumbo da opressão, caricaturada na construção das instituições reprodutoras: os presídios, os manicômicos, as polícias, os tribunais, as fábricas, os conventos, as famílias, as escolas, as academias, as universidades et caterva.
Agora, quase ninguém se pronuncia. O silêncio desses moralistas, positivistas xiitas, disciplinadores fetichistas e controladores perversos é produtor de novas mortes, tais e quais.
E há uma questão sexual seriíssima em jogo. O sexo detonando uma violência torpe, bárbara, troglodita, premeditada, com requintes altíssimos de crueldade.
Estamos muito mal na fita: nossa sociedade, em todas as classes e segmentos, está autorizando o espancamento de prostitutas, num conservadorismo genocida. Há muito pouca gente puta da vida com esse silêncio.
quarta-feira, abril 25, 2007
Sobre "O Céu de Suely"
De: “O Sertão está em todo lugar. Sertão é onde homem tem de ter a dura nuca e mão quadrada”.
E continua Riobaldo: “Estou contando não é uma vida de sertanejo, seja se for de jagunço, mas a matéria vertente”.
O céu de Suely é o sertão do qual o Sul Maravilha conhece boa parte. É o sertão do forrogode, dos moto-táxis, dos motéis de beira, caça-níqueis, rádio FM, adultério vingado a faca, o imperioso comércio de migalhas. Quente feito a panela do demo. Vida de periferia.
O corpo de Hermila não vai ao cinema, não gosta de samba, não vai à Ipanema. A camisa velha furada, a saia curta apertada-quase-rasgando: uma sensualidade que o par de peitos empinados escancara. Quente feito, sendo que corpos também enxugam gelo.
O tesão é a matéria vertente. E não precisa escancarar e apelar ao óbvio vendível. Hermila compartilha prazer conosco, mas também o desprazer, quando o suor escorre calado por ar-condicionado.
Esse Nordeste está se deslocando do mapa. E viva o astral dos novos brasileiros.
quarta-feira, fevereiro 21, 2007
A Morte e as Mortes
Mas diz-se pouco. O discurso é, via de regra, o mesmo. O que torna tudo ainda mais complexo.
Fala-se muito, diz-se pouco, no que há aí um silêncio gritante, ensurdecedor.
A morte do menino foi bárbara, chocante, lamentável, tudo de ruim, nem mil adjetivos sintetizam. Tocou uma considerável parcela da sociedade brasileira. E esse já é um primeiro ponto: será que podemos dizer que essa morte chocou a todos da mesma forma?
Eu poderia ter posto uma interrogação após o "todos", mas preferi ser otimista.
Mortes bárbaras. Vou assumir o risco de uma comparação. Há alguns meses atrás, um ônibus pegou fogo com várias pessoas dentro, que morreram carbonizadas. Houve comoção, mas não como agora.
Dessa vez foi uma criança. Branca e bonita. Não era pobre. Será que isso tem influência nessa comoção toda?
Paro para pensar. Será que no caso do ônibus incendiado não houve mesmo tanta comoção como agora? Ou será que foram outras parcelas sociais que se comoveram? Ou será que aquela comoção não foi tão propagada quanto essa?
Essas perguntas são respondíveis assim?
Pertinentes elas são, se quisermos analisar para onde nossas comoções estão nos levando. E de que lugares elas partem, onde são produzidas.
Pensar nas determinações dessas comoções implica, necessariamente, em pensar a produção dessas mortes.
Lá vou eu me arriscar de novo. Pelo que se fala, não foram assassinatos premeditados, mas dois, digamos, com o perdão da indelicadeza da expressão, “acidentes de percurso”, em atividades reconhecida e sabidamente perigosas – incendiar ônibus e roubar carros com pessoas dentro.
Mortes bárbaras. É também lógico supor que tem muita morte bárbara acontecendo por aí e ninguém se comove? Já ouvi histórias muito terríveis sobre torturas seguidas de morte que acontecem, apenas para citar um exemplo, nos porões da indústria do tráfico de drogas do Rio de Janeiro (isso para não citar outras indústrias - ou outras torturas).
Mas ninguém se comove com essas histórias? As pessoas próximas, as testemunhas imediatas, essas pessoas se comovem, e muito. A questão é: por que estas comoções não se propagam?
Comoção, propagação, muito, pouco, barulho, silêncio. A questão distributiva. As intensidades.
Há uma algazarra histérica. E esse barulho todo, produzido por poucos, que esmaga o silêncio subjacente, produzido por muitos, é genocida. E suicida.
quinta-feira, fevereiro 01, 2007
Eu gosto de sofrer. Será?
Porque ter que me aborrecer, nessa altura do campeonato, vendo Jornal da Globo, é muita vontade de sofrer. Porque diabos estava eu vendo a Rede Globo a esta hora da noite?
O fato é que eu vi, está visto, eu já me aborreci, agora tenho que escrever sobre isso. Sorte (para os leitores) que quase ninguém lê o que eu escrevo mesmo.
Vamos lá: o Governo, finalmente, decidiu fazer as contas da previdência de uma forma honesta, correta. E é correta, basicamente, por três motivos, dois técnicos e um nem tanto.
- Qualquer idiota que já tenha visto um orçamento sabe que a "renúncia de receita" é uma despesa para fins de contabilidade. Quando o Governo concedia insenções diversas sobre as contribuições previdenciárias, que não tinham nada a ver com a política da previdência social, como as isenções do SIMPLES (regime de tributação simplicada para micro e pequenas empresas), das instituições educacionais que participam do PROUNI (política de educação), ele contabilizava essa "renúncia de receita" como "despesa previdenciária". Minha pergunta: isso é despesa previdenciária? Não. Então o suposto "rombo" da previdência diminui uns 18 bilhões, se você contabiliza direito, como vai fazer o Governo agora.
- Quem já teve a oportunidade de ler nossa Constituição sabe, também, que a previdência social é um dos pilares de um tripé, a Seguridade Social. Os outros dois são a Saúde e a Assistência Social. A Previdência Social é contributiva, a Assistência Social não. Nossa constituição, de forma mais do que justa, deu o direito de aposentadoria a milhões de trabalhadores rurais que nunca haviam contribuído para a previdência, basicamente para que eles não morressem de fome, e para reparar uma injustiça, já que esses trabalhadores deram sua contribuição à sociedade com seu trabalho, e não tiveram acesso a uma sistema de seguridade social. É política social. É assistência social. Deve entrar nas contas do déficit da previdência? Não. O suposto rombo diminui mais uns 20 bilhões, se você contabilizar corretamente. Dos 42 bilhões alardeados, ficam 4 bilhões.
- Agora o motivo "não-técnico", porque político. Trata-se de fazer a contabilização correta, não para fingir que não existe déficit na conta do Tesouro Nacional, mas justamente para sublinhar que é um déficit na conta do Tesouro, não nas contas da Previdência simplesmente. Trata-se de modificar os termo da discussão, para que os "cabeças de planilha" (bela expressão de Luís Nassif) tenham, pelo menos, que enfrentar a contra-argumentação de que não é vilipendiando os direitos sociais (principalmente através de uma manipulação contábil) que os problemas do país serão resolvidos. Os conservadores, quando Lula disse que quer crescer com democracia e justiça, logo se atiçaram e pensaram que era um recado para o Chávez. Nonada, como diria Riobaldo. É uma alusão ao crescimento da China e da Índia, otários.
Decisão louvável a do Governo. E eu, vendo o Jornal da Globo noticiar a decisão... preciso dizer o que encontrei? Uma avalanche de pseudo-economistas desancando a medida, os âncoras ouriçadíssimos, com aquelas caras de "sabedoria", levantando a bola para um economista-chefe-genérico cortar.
Duas frases e uma tabela chamaram a minha atenção.
As frases:
- "Os economistas dizem..."
- "...esse truque contábil..."
A primeira, dita pelo repórter que fez a matéria, denuncia o modus operandi desse tipo de veículo, e demanda a pergunta: onde diabos estão os muitos economistas que "não dizem" o que a Globo quer ouvir? Porque eles não foram ouvidos?
A segunda frase, dita pela âncora gordinha cujo nome não me recordo, durante a discussão com o "especialista", denuncia outra faceta desse tipo de manipulação: inverte-se a notícia, para dar-lhe outro sentido. Ora bolas, o que o Governo fez foi decretar o fim de um truque contábil.
Mas o mais impressionante foi a tabela...
Depois de demonstrar, por A + B, que a medida não faria diferença nenhuma, e decretar - de forma primária - que a contabilização deve ser: qualquer aposentadoria menos arrecadação só de contribuições - depois disso, o especialista-economista-chefe-de-tigela, Sardenberg se não me engano, apresentou aos espectadores uma tabela, que comparava o gasto de EUA, Alemanha, Brasil e Argentina, em porcentagem do PIB, com previdência, com o percentual de idosos desses países, em relação à população total. Genial, não?
Não me lembro os números da Argentina, já estava irritado. Mas os outros são os seguintes, aproximadamente:
- Brasil: 12% do PIB de gastos e 6% de população idosa
- EUA: 6% do PIB de gastos e 14% de população idosa
- Alemanha: 12% do PIB e 19% de população idosa
Como gasta este Brasil, Sardenberg!
Mas qual o PIB e população desses países mesmo? Isso não vinha na tabela. Aí está (dados de 2005):
- Brasil: o PIB é de mais ou menos 650 bilhões de dólares; população de uns 185 milhões
- EUA: PIB de mais ou menos 13 trilhões; população de uns 300 milhões
- Alemanha: PIB de uns 2 trilhões e 850 bilhões; população, uns 82 milhões
Isso significa o seguinte (se tomassemos como informação verdadeira - não é - que todos os idosos de um país recebem aposentadoria, e que todas as aposentadorias são para idosos; e se tomarmos os dados como verdadeiros):
- O Brasil gasta, aproximadamente, 7000 dólares por cabeça de véio por ano
- Os EUA, 19.000
- Alemanha, 21.000
Truque contábil?
Vamos supor que o cabeça-de-planilha estivesse, com essa informação, supondo razoável que o Brasil gastasse com previdência a mesma proporção (%PIB/%Idosos) que esses dois países. Teríamos o seguinte:
- Se a comparação for com os EUA, o Brasil só deveria gastar uns 3% do PIB, ou seja, os velhinhos iriam ganhar, em média, uns 140 dólares por mês. Marajás!
- Se for com a Alemanha a comparação, o Brasil deveria gastar mais, uns 4% do PIB. A média subiria para 200 dólares. Será possível tanta mamata?
A pergunta que não quer calar: Sardenberg aceitaria receber essa aposentadoria? Quanto deve custar aquela gravata?
terça-feira, janeiro 30, 2007
Crédito Consignado
Alguns se agitaram. Como se essa notícia pudesse ser um troco – ou parte de um troco – diante dos ataques sofridos pelo governo Lula nesses últimos muitos meses.
Ao mesmo tempo, e como era de se esperar, a nossa (pequena) grande imprensa – partidária como sempre – não fez nenhum grande alarde. Assim como é de se esperar que o fará – se o ex-presidente em questão, no futuro, for um certo ex-operário.
Mas vamos pensar nos que se agitaram. Houve, da parte desses, certa balbúrdia denuncista. Vingativa, quer responder na mesma moeda pelo que sofreram. Esquecem-se, porém, que assim só estão reforçando os velhos métodos conservadores, quando o que mais nos interessa é subverter esses próprios métodos, fazê-los perder força, esvaziar o moralismo.
Então paremos para pensar. FHC é um ex-presidente. Sua história não merece ser registrada? E quem pagará por esse registro?
Por partes.
Sim, a história de FHC não só merece, mas precisa ser registrada. Não pelo seu valor biográfico, que deve beirar a insignificância – a vida medíocre de um sociólogo almofadinha que nunca foi brilhante, cujos escritos são óbvios e pedantes; e que, após uma trajetória política sem grandes destaques (a não ser a ridícula derrota eleitoral para Jânio Quadros), moldada por uma suposta liderança, chega convenientemente à presidência da República, sustentado por uma campanha esmagadora que agregava toda os setores de elite e classe média do país, sem exceção, ao mesmo tempo em que encontrava um povão traumatizado por um impeachment e amaciado pelo plano Real, o que tornou a tarefa da eleição um mamão com açúcar.
A representatividade dessa eleição, e posterior reeleição, de FHC não pode ser esquecida. Principalmente, para que não cometamos um erro desse tipo novamente. Para que nunca mais elejamos um presidente tão elitista, hipócrita, vaidoso e egocêntrico, que tenta a todo custo se colocar no lugar de grande estadista. O que está tão longe de ser verdade – a ponto de ser opinião, inclusive, de muitos de seus correligionários.
E quem deveria bancar? Nada mais justo que aqueles que o elegeram: o povo brasileiro. Sim, dinheiro público (não sem limites, é claro). Trata-se de uma perda necessária. Sim, para fazer uma espécie de museuzinho com objetos pessoais e anotações de trabalho de Fernando Henrique. Um registro, portanto, extremamente positivista, ou seja, de enorme pobreza material. Um outro registro, que não desse tipo, é impossível, inconcebível. É isso que nosso ex-presidente merece. Que o tenha. O registro mais valioso, que é o que se instala no coração dos homens, isso ele não vai conseguir nunca.
Alguém poderia argumentar que o instituto de Fernando Henrique é um espaço totalmente privado e não disponível para o público, mas isso é outra questão – e certamente irrelevante. Antes de tudo, nunca ouvi falar de grandes filas de espera para que seja visitado. Que seja aberto à visitação apenas no dia em que uma grande multidão exija, ferozmente, nas ágoras, sua abertura.
quinta-feira, janeiro 25, 2007
PAC
Tem horas em que, de repente, o mundo vira pequenininho, mas noutro de-repente ele já torna a ser demais de grande, outra vez. A gente deve de esperar o terceiro pensamento.
Paciência...
Eu também queria a cabeça do Meirelles, mas fazer o quê? Não tenho como avaliar as condições políticas e institucionais, o que está ou não dentro da margem de manobra do governo, quais são as condições para governar, tenho que esperar para ver. Lembram de 2005? 2006? Quantas vezes tentaram derrubar o governo...
Burrice mesmo é essa eleição grotesca na Câmara. Vai ser burro assim lá no PT de São Paulo.
terça-feira, outubro 31, 2006
A próxima luta
É a mesma pergunta de 2002 e, para mim, tem a mesma resposta: não esperemos coisas mirabolantes. Lembremos que psicanalisar, educar e governar são tarefas impossíveis, e que por isso mesmo devemos tratar de cumpri-las, avançando nas brechas, tratando de construir a possibilidade do impossível.
Nem preciso dizer que não sou da turma que ficou decepcionada com o governo de Lula. Quem esperava grandes transformações a partir de 2003 era, no mínimo, ingênuo, e ingenuidade não é coisa que podemos nos dar ao luxo de ter nessas questões.
Agora podemos colocar a cabeça no lugar e desanuviar nossos comentários, deslocando-nos da questão eleitoral e político-institucional, que como bem lembrou grande amigo, é por demais obsessiva em seu exercício discursivo – acredito que era uma tarefa que tínhamos que cumprir, correndo o risco de sermos repetitivos, chatos, superficiais até. Havia muita coisa em jogo.
A reiterada crítica ao papel da mídia nessas eleições fazia parte desse jogo; a partir de agora, nesse campo, temos que cobrar algo mais substancial, mais importante: a democratização efetiva, na medida do possível, das esferas de exercício do poder e, em especial, do poder da palavra. Democratização da cultura, tema espinhoso, democratização dos meios de comunicação de massa, democratização das instâncias de poder que decidem as políticas públicas, os recursos e – por que não? – o aprofundamento da democratização da pobreza material, a distribuição mais justa dessa pobreza.
Passamos por um processo interessante no Brasil, independentemente de seu resultado: a elite burguesa (por que usar outro nome?) não conseguiu impedir que Lula fosse conduzido novamente ao centro do poder de Estado. Isso não é pouco, e devemos cobrar que o fato seja levado em conta na definição das políticas desse nosso segundo governo.
A esquerda está, a meu ver, preparada para cobrar e para compreender as dificuldades, as impossibilidades, para ser "realista".
Vamos ver o que conseguiremos fazer até 2010. E nesse processo, não podemos esquecer as batalhas travadas fora do âmbito do Estado, aqui, nas nossas atuações concretas, nos nossos embates. O exercício da política não é apenas o exercício do poder estatal – bem sabemos que o Estado moderno nasce como braço de legitimação do poder do Capital. Nosso envolvimento, nessas eleições e em outras, partem do pressuposto de que devemos, também, disputar as posições de poder de Estado, e que isso não é mero detalhe – há possibilidades concretas de avanço nesse sentido, bastando dizer que, depois de quatro anos, 40 milhões de pessoas comem melhor. Isso não é pouco. Um processo de transformação é um processo de transformação, e ponto. Processo.
Continuemos a luta, nos consultórios, hospitais, orquestras, escolas, empresas, maracanãs, bares, construções - na rua! - e, se me permitem dizer, também na internet. E lembremos de cobrar de Lula o que ele pode nos dar, e de criticá-lo quando fizer merda. Não podemos nos entorpecer com uma coisa ou outra – esse é o nosso compromisso.
quinta-feira, outubro 05, 2006
Por Uma Análise Política da Corrupção
Muito bem assinalava um companheiro de trabalho quando estudávamos juntos O Capital, de Karl Marx: “É um livro sobre política”. O conceito de mais-valia, elaborado a partir da análise histórica do valor das mercadorias, é eminentemente político: não se trata de um roubo, mas do grau de exploração do trabalhador por parte do capitalista, que não é um ladrão, mas uma marionete do capital. Marx, com isso, não deixa espaços para moralismos em sua análise da luta de classes.
Podemos transportar esse ponto para uma reflexão sobre o tema da corrupção, tão caro a nós brasileiros em nossa história. Caro, principalmente, pela maneira como geralmente é tratado.
Toda corrupção é política. A despeito disso, há os que se preocupam em fazer uma análise moral desse tema, a qual não deixa, também, de fazer parte de uma estratégia política, ainda que inconsciente. Nesse terreiro, há um embate nítido entre dois discursos amplamente antagônicos em suas práxis: o da moralização da política e o da politização da moral.
Tentemos definir corrupção. A corrupção pode ser, simplesmente, um mecanismo de desvio de dinheiro público para enriquecimento privado. Não se trata de um simples roubo, é preciso ressaltar, mas da privatização discricionária de recursos coletivos. Privatização que, geralmente, compensa com sobras o custo político de sua operação, ainda que seja deflagrada, denunciada.
A corrupção pode ser, mais especificamente, uma estratégia de cooptação: não apenas uma mera compra de mercenários, mas parte de uma coligação política, não necessariamente partidária. Lembremos que toda aliança política tem seu custo e que todo valor de troca tem seu preço, ainda que nem sempre possa ser monetarizável. Quando mais se usa o expediente da corrupção como estratégia política, podemos deduzir que as condições políticas de manobra são mais escassas.
Nesta análise, importa pouco o estatuto jurídico desse “desvio”. A lei jurídica não é um ente divino, mas também uma estratégia política.
O discurso pela moralização da política tem caráter higienista. É preciso limpar o mar de lama. Os ladrões imorais precisam ser execrados. Não há proposta de mudança estrutural, mas de aumento irrestrito da fiscalização e da vigilância. Prega-se, e o verbo aqui é o mais adequado, o aperfeiçoamento idealizado da sociedade disciplinar. Prescreve-se, no nível macro, a moralização de todos os indivíduos.
O discurso da politização da moral é eminentemente histórico. Ao contrário do histrionismo dogmático de seu antagonista, ele busca localizar as origens da corrupção na seqüência histórica do país. Busca apontar os interesses de classe que estruturam essa corrupção, sem isentá-los de seus custos políticos, ampliando a fundamental problematização sobre a oposição público/privado.
Trata-se de uma disputa por hegemonia, na qual fica claro onde está sendo construída a viabilidade política de se reduzir a corrupção a níveis mínimos, irrelevantes. Mas isso não interessa a todos, obviamente. Há sujeitos aderindo em ambos os lados. No atual momento histórico do nosso país, muitos posicionamentos, até então velados, estão vindo à tona.
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Crise política no Brasil (só aqui?) não é exceção, é regra. Poucos são os períodos históricos neste país quando houve relativa estabilidade político-governamental. Mas acabamos de passar por uma crise política bastante singular, tendo em vista que envolveu um ator político que até então nunca havia avançado até a trincheira do executivo federal: o Partido dos Trabalhadores.
Neste presente setembro de 2006, não dá para falar de política sem se falar de eleições. E abro um parêntesis para definir o que é eleitoreiro, em termos políticos: uma estratégia, e não, como muitos beatos propagam, um defeito moral. Do ponto de vista da política, não podemos julgar a priori manobras eleitoreiras, já que uma eleição não é um acontecimento de importância qualquer.
Alguns colegas próximos gostaram de me cutucar, dizendo que o Lula havia cometido um ato falho no Jornal Nacional, durante a entrevista com os candidatos, ao dizer que era preciso “combater a ética”. Não vi a tal entrevista e não avalio tal declaração como um ato falho clássico (o das oposições diretas), mas como um posicionamento discursivo importante, como se nosso presidente dissesse: “Não podemos analisar a corrupção através do ponto de vista de uma ética abstrata, supostamente neutra, que prega a total erradicação dos desvios”. Em outras palavras, mais diretas: “Precisamos combater a ética moralista e hipócrita do PSDB, do PFL e de seus correligionários”. Lula não conseguiu completar a frase, e teve que arcar com o custo da gafe, provavelmente pequeno. Faz parte. Não se pode dizer tudo.
Miremos um pouco nos outros candidatos. A coligação discursiva entre PSDB e P-SOL, representados por Geraldo Alckmin e Heloísa Helena, está cada vez mais clara. Chega a ser gritante, passando a um ponto em que todas as pesquisas de opinião, sem exceção, das mais confiáveis às mais duvidosas, indicam que Alckmin e Helena disputam o mesmo eleitorado. Ambos vociferam ao propor a moralização plena dos políticos. Querem perseguir os ladrões, os traidores. Encaram política como se fosse uma velha e remoída questão de honra. Desprezam as condições políticas do país e lavam suas mãos diante da construção de uma efetiva alternativa à esquerda que está sendo empunhada pelo governo Lula e apoiada pela população, não sem distorções. Com muita sensibilidade, percebeu Miguel do Rosário certa feita em seu blog Óleo do Diabo, ao sinalizar que os projetos de esquerda deste século não se baseiam mais em promessas, mas em resultados. E não são consolidados em um processo higiênico, perfeito, cheiroso e com talquinho.
Não é por acaso que acabo de ler, na imprensa cibernética (IG), um comentário de Alckmin a respeito de uma frase de Lula. Falou o presidente: “Democracia não é só coisa limpa não. Democracia às vezes tem dessas coisas que nos causam preocupação, que nos causam desgosto, mas nós temos que saber enfrentar porque vamos derrotá-los não é batendo boca com eles não”. Comenta então o tucano, em tom eliminatório, caçador, genocida, de chacina, além de deturpador: "Vi o presidente declarar que democracia não é coisa limpa. Quem pensa dessa forma não deveria fazer política". E FHC completou, em recente declaração, ao afirmar que Alckmin tem “as virtudes morais” que Lula não possui.
O mesmo colega de trabalho que citei no início deste texto é hoje filiado ao P-SOL. Acho que está muito equivocado, mas continuo nutrindo por ele um grande carinho. Recordo-me, entretanto, de uma colocação sua enquanto estudávamos juntos: que Marx superava a oposição entre hegelianos de esquerda e de direita sendo um kantiano de esquerda. Discordo diametralmente. Não podemos idealizar Marx, nem qualquer projeto de socialismo, sob o risco de estragá-lo, de levá-lo a fatigantes fracassos.
Isso tudo me leva a uma bela frase de Bertolt Brecht, que pode muito bem aqui ser transposta, retirada da peça Vida de Galileu:
“A causa principal da pobreza, em ciência, é a riqueza presumida. A finalidade da ciência não é abrir a porta ao saber infinito. Mas colocar um limite à infinitude do erro”.
Acho que, na política, o negócio também vai por aí.
sexta-feira, setembro 29, 2006
Chave de Palavra
Vou começar por uma pequena experiência que fiz, não sem efeitos, em relação ao texto, que não conhecia. Durante a semana, comecei a lê-lo, e me vi diante de uma peça bastante difícil, com muitas cenas e personagens, ao largo das seis unidades que a compõem. Fiquei imaginando: como é que os caras vão fazer isso tudo? Como vão encenar? Eu também não conhecia a companhia, então fiquei fantasiando sobre todas as inúmeras mudanças de ambiente que o texto trazia: um prólogo numa aldeia da União Soviética, um golpe de estado num palácio, uma fuga por montanhas geladas, um hotel, uma ponte, uma casa nas montanhas, o gelo derretendo, um rio, um tribunal... E os cenários? E o figurino?
Não dá pra pensar numa montagem dessa peça que seja uma superprodução hollywoodiana. No entanto, não dá pra garantir que, qualquer dia desses, algum desses diretores ultrabadalados não vá resolver montar um Círculo de Giz nos moldes de um Titanic. Nenhuma obra é absolutamente inapropriável, mas, nesse caso, é muito improvável. Brecht e Broadway não casam. Um dos dois engole o outro, é oito ou oitenta.
Mas O Círculo de Giz não deixa de ser, num outro sentido, uma superprodução. Além disso, foi exibido em um disputadíssimo palco, o do CCBB, onde o espaço não é dos maiores. A complexidade da peça leva forçosamente a um puta trabalho na concepção da montagem, uma grande elaboração de seus aspectos formais. E Brecht, com o perdão do trocadilho, não dá brecha: o próprio texto nos indica que tudo deverá ser feito com não muitos atores, já que o Círculo de Giz é uma peça encenada pelos aldeões de um dos colcoses do prólogo, que certamente não poderiam formar um elenco com toda sua comunidade e precisariam se revezar em vários personagens.
Daí o que poderia parecer contraditório: os textos de Brecht, em geral, exigem superproduções, ainda mais quando conjugados com música. E aponto aqui como era complicado, lendo o texto, imaginar como a música entrava na montagem. As indicações de canções são muitas, sem sugestão escrita de melodia. Fiquei pensando no grande desafio que seria compor músicas, arranjos com montagens.
Eu ia começar este texto com a seguinte frase, mas parece que ela entra melhor agora: montagens de Brecht vêm sendo raras nos últimos anos. E não sem determinações históricas: O Círculo de Giz nos apresenta uma abrangência temática exuberante - material farto, trabalhado com suor. Não há ponto sem nó, o cara não gastou tinta à toa. É preciso muito peito e muita raça para levar a peça adiante, sem deixar cair a peteca. E como é impressionante exigência que o texto faz do trabalho dos atores, na dinâmica da transmutação, muitas vezes repentina, em personagens amplamente diferentes, e por pouco tempo.
Como eu dizia no início, li grande parte da peça durante aquela semana, na expectativa de chegar ao teatro com certo conhecimento do texto. Aconteceu que não consegui, justamente, ler o que seria o desfecho do espetáculo, de modo que sabia a história toda, menos o final. Parece que isso contribuiu demais para que eu me emocionasse muito enquanto o assistia. É muito bonito o amor da personagem por aquele menino e a forma como ela o demonstra, amor que nasceu de maneira tão tórrida, a partir de um momento extremamente agudo de miséria.
E é claro que o texto escrito não estava todo lá. Tudo bem, mas senti a falta do deboche que Brecht faz dos médicos, em dois momentos diferentes, de forma rápida e sutil. Foram suprimidos, no que resulta, certamente, alguma perda. Talvez não por acaso, uma hora meus olhos bateram no encarte, durante o intervalo, onde estava transcrita uma entrevista com o próprio Brecht, comentando sobre supressões na montagem que dirigira em Berlim, no ano de 1954. Disse ele: “Quando se corta algo, tem-se que entregar algumas coisas. Ali se tem uma certa perda, é verdade. Não se pode comer o bolo e guardá-lo. É claro que se tem que cortar algo. Em todas as coisas não se podem estabelecer princípios rígidos. Não é verdade que as pessoas vêm ao teatro por causa do teatro, na realidade é o contrário. Temos que pensar sempre que as pessoas tiveram um pesado dia de trabalho. Só quando tivermos uma jornada de trabalho mais curta – por exemplo, 6 ou 4 horas – estaremos em condições de ver peças mais longas. As peças não respeitam muito isto e exigem muito de pessoas que estão cansadas”. Brecht falou, mas continuei achando que aqueles diálogos fizeram muita falta. De qualquer maneira, quanto pano pra manga há nessa declaração, a respeito da arte e de sua publicação (preciso voltar a esse ponto crucial mais tarde).
Em muitos momentos, fiquei pensando na entrevista que vi, ainda antes de assistir À montagem, do diretor Sérgio de Carvalho, concedida a Globo News. A repórter não conseguiu deixar de perguntar: “Você não acha que a peça de Brecht é anacrônica?”. Ah, como dá vontade de sair xingando essa mulher, mas sei que não é por aí. Ô mulher babaca, coitada, robotizada pelo discurso dos patrões, na pregação do ‘fim da história’. Assim como a grande maioria dos que costumam escrever e falar sobre teatro e aproveitam para taxar Brecht de desatualizado, como se esse negócio de luta de classes fosse um papo que remetesse especificamente a alguma ‘moda’ do século passado. E como se fosse impossível que o povo pudesse ser representado em obras de arte, que assim nada teriam a ver com as condições sociais e os modos econômicos de produção.
Encerrada a montagem, os atores vieram se despedir do público e estavam também largamente emocionados, alguns às lágrimas. A troca que houve entre eles e a platéia foi baseada numa fortíssima transferência. Não por acaso, o ‘palco’ era muitíssimo próximo das cadeiras, de forma que as expressões eram muito intensamente sentidas, por ambos os lados. Obviamente, não sei se foi assim nos outros dias, os públicos mudam, os próprios atores também têm todo o direito de não fazer apresentações excepcionais em todas as vezes. E foi de uma delicadeza tamanha quando os atores anunciaram que estariam jantando em um determinado restaurante – o desejo de ouvir aqueles que acabaram de assisti-los.
Quando a personagem Grusche acaba de sair, em fuga, de uma estalagem, no meio da peça, um criado de lá lhe dá o seguinte conselho: “Quando chegares na encruzilhada, vire à esquerda”. No texto que li, era à direita que ele sugeria. A Companhia modificou uma palavra aparentemente sem importância, de acordo com o próprio caminho que escolheu, nesta atual encruzilhada da história. Passo a bola para Pablo Neruda:
“Há outros dias que não têm chegado ainda,
que estão fazendo-se
como o pão ou as cadeiras ou o produto
das farmácias ou das oficinas
– há fábricas de dias que virão –
existem artesão da alma
que levantam e pesam e preparam
certos dias amargos ou preciosos
que de repente chegam à porta
para premiar-nos com uma laranja
ou assassinar-nos de imediato.”
terça-feira, setembro 19, 2006
Triste Fim de Cristovam Buarque
Mas parece que Cristovam não se cansa de cometer equívocos. Na sexta-feira 08 de setembro, saiu uma declaração sua no JB, página A2, na qual ele assim dizia: “É um risco para a democracia se Lula for eleito no primeiro turno”.
Pára tudo. Está muito claro que já não podemos esperar quase nenhuma sensibilidade política de Cristovam e seu partido, assim como de Heloísa Enéas e seus rebentos. Mas já tá ficando demais. Um risco para a democracia? Quer dizer o quê? Que se o povo reeleger o presidente Lula com mais de sessenta milhões de votos, isso é um risco para a democracia? Se ele tivesse dito que o povo vai votar mal, até entenderíamos, embora eu, particularmente, não concordaria. O que eu não esperava é Cristóvam também aderisse a um discurso golpista, pois o princípio mais fundamental de uma democracia representativa é a soberania do povo através do voto. É uma declaração golpista, repito, pois não o julgo uma pessoa burra.
Cristovam e seu partido, assim como Heloísa e seus pares, e também o PPS do enlouquecido Roberto Freira, não merecem ter seus passados de luta pela democracia e pelo socialismo no país condenados. Isso está fora de questão, a contribuição que eles proporcionaram ao nosso povo é digna de aplausos. Mas seus presentes e, principalmente, seus futuros políticos, ao meu ver, estão nitidamente sendo jogados fora (alguns sem volta). E isso é lamentável. Seria muito belo se estivessem ocupados em realizar uma oposição mais à esquerda, que exercesse pressão sem cair no denuncismo farisaico e no hegemônico discurso moralizante, e que ajudassem na organização de um debate sobre projetos de governo, discutindo suas viabilidades políticas. O único debate que promovem é um debater-se em tristes águas, como se estivessem se afogando, felizes da vida por morrerem sozinhos, incapazes de pedir ajuda aos que passam por perto e estendem a mão.
Não posso deixar de falar de Jéferson Peres, vice de Cristovam, outro ex-companheiro com interessante trajetória de luta. Ex-companheiro, ressalto. Só anda falando besteira, tratando o povo como se fosse uma massa ignorante que não está preocupada nem um pouco com política (ao contrário do que, até mesmo, certas pesquisas eleitorais apontam). Pelo menos, ainda que muito tardiamente, anunciou aposentadoria da carreira política após o pleito. Acho que é isso mesmo: cansou, já não trabalha mais direito, que pendure as chuteiras e vá criar galinhas, o que pode ser um ofício muito bacana, nada contra. Tem horas que a caduquice e o cansaço acabam vencendo. O problema é quando não se percebe isso.
domingo, setembro 10, 2006
Brincando com números
Dentre as mais eficientes estratégias para desinformar seu público, uma das mais utilizadas por jornais, revistas e portais de internet ainda é (acreditem!) a manipulação descarada das manchetes. Para eles, a primeira impressão é a que fica. Será?
Todos os dias, caminhando para o trabalho, passo por uma grande banca de jornal, dessas que hoje proliferam-se pela Zona Sul do Rio de Janeiro. Penduradas em espaço reservado, numa das faces da banca que está voltada para a calçada, ficam as primeiras páginas dos jornais do dia, devidamente plastificadas para que o jornal não possa ser folheado por qualquer um. Ali o povo lê, da calçada, as manchetes - só as manchetes. No horário do almoço sempre há multidões disputando um lugar na platéia e, ao final do dia, poucos são os que efetivamente compram e lêem os jornais ali expostos.
O que não deixa de ser uma boa notícia, digamos assim.
Os grandes portais de internet (uol, ig, terra, globo.com, etc.) funcionam mais ou menos dessa mesma maneira. Milhares (ou milhões, quem sabe?) de pessoas acessam esses sites para dar uma "olhada rápida" nas notícias do dia, no que de mais importante aconteceu no Brasil e no mundo. Raramente estão dispostos a perder muito tempo lendo as matérias completas, e estão menos dispostos ainda a buscar outras fontes de informação, outras versões, outras opiniões.
Eu mesmo faço isso inúmeras vezes, confesso. Numa dessas ocasiões, me deparei com uma manchete que dizia mais ou menos assim:
Eleitores relacionam imagem de Lula à defesa dos pobres e à corrupção.
Senti o cheirinho da manipulação e fui conferir. A notícia evocava uma pesquisa do instituto datafolha que chegou, basicamente, às seguintes conclusões:
- 48% dos eleitores ligam Lula à defesa dos interesses dos pobres.
- 44% dos eleitores não ligal nenhum dos candidatos à presidência à corrupção.
- 25% dos eleitores ligam Lula à corrupção.
Do que se pode depreender, sem muito esforço intelectual:
- Aproximadamente metade dos eleitores ligam Lula à defesa dos interesses dos pobres.
- Aproximadamente metade dos eleitores não estão interessados na paranóia moralista da burguesia.
- 75% dos eleitores, ou 3/4 deles, não ligam Lula à corrupção.
Então, qual confusão a manchete quis deliberadamente criar?
A de que é o mesmo grupo de pessoas (os "eleitores") que considera Lula o "pai dos pobres" e "o corrupto", para insistir na concepção golpista de que o povo, apesar de achar que o presidente é um ladrão safado, vota nele porque é "comprado" pelo bolsa-família.
O problema é que os números da pesquisa dizem justamente o contrário. Basta que se faça uma relação simples, mesmo que essa relação não possa ser encarada de forma absolutamente linear. Os índices dos que ligam o presidente aos pobres e à corrupção são muito próximos aos índices de intenção de voto em Lula e em seu principal adversário-xuxu, em pesquisa realizada pelo mesmo instituto, na mesma semana (51% a 27%) - não parece evidente que não é o mesmo público que avalia a imagem de Lula assim ou assado?
Poderíamos enumerar muitas outras manchetes para divulgar os números da pesquisa. Esse é um exercício que não me interessa fazer. Basta dizer que o índice daqueles que ligam Lula à corrupção é menor do que o índice dos eleitores que votam em outros candidatos. Vejamos:
- Em todas as pesquisas, Alckmin tem mais ou menos 25%
- Em todas as pesquisas, Heloísa Malvadeza tem mais ou menos 10%
- Em todas as pesquisas, forçando a barra, os outros candidatos tem mais ou menos 5%
- Em todas as pesquisas, Lula tem mais ou menos 50%
- Em todas as pesquisas, os adversários de Lula, somados, tem mais ou menos 40%
Isso quer dizer que 40% do eleitorado não vota em Lula, mas apenas 25% do eleitorado o liga à corrupção, do que se depreende que, apesar de toda a campanha anti-Lula da mídia durante os últimos 15 meses (!), sua imagem, ao contrário do que diz a manchete em questão, não está ligada à corrupção. Este é um dado positivo para o presidente, não negativo.
Tal fato fica ainda mais evidente quando acrescentamos à análise dados que não aparecem em estatísticas. Por exemplo? O perfil dos eleitores de Alckmin e HH. Podemos afirmar, sem maior risco, que esses eleitores são os mesmos que consideram Lula um "bandidão". Trata-se da parcela mais influenciada pela grande mídia, a classe média pequeno-burguesa, preconceituosa, mal informada e incapaz de compreender o mundo para além de seus próprios umbigos - não é à toa que Geraldo (vocês sabem quem é Geraldo?) e Heloísa disputam os mesmos votos, o mesmo eleitorado. É evidente, cristalino, que grande parte desses eleitores ligam Lula à corrupção. Qual a novidade da pesquisa?
Fernando Henrique Cardoso, o "lacerdinha", está sendo bem-sucedido em sua convocação para que botem "fogo no palheiro". É uma pena (para ele), que esse sucesso só se dê entre os seus companheiros da grande imprensa, amigos de todas as horas. Afinal, não é por qualquer um que se esconde uma crise cambial para que o amigão seja reeleito, não é mesmo?
A democratização e a regulamentação dos meios de comunicação são tarefas urgentes. E não serão tarefas fáceis.
Mais informações sobre a pesquisa em www.datafolha.com.br.
sábado, setembro 09, 2006
Vozes de Copacabana
Peguei minha bicicleta e fui. Não ia agüentar ficar em casa, na curiosidade, sem ter sido testemunha corpórea daquele acontecimento. Felizmente, fez uma noite linda. E, já no caminho, percebi que o fluxo era grande naquela direção. Ficaria lotado, passei a ter certeza. Assim como também sabia que, com tanta gente aglomerada, ia ser horrível para ouvir a sinfonia (qual delas?)– mas isso não era tudo, para não dizer mais.
A minha primeira grande questão era sobre a composição da platéia, naquele espaço público tão globalizado, onde mais de um milhão de pessoas se amontoam na festa de fim de ano: populacho, classe média e grã-finagem; indígenas e caras-pálidas. A ‘minoria branca’ – expressão que se consagrou no lapso de sensatez de um reacionário pefelista –, no caso da sinfonia, era maioria. Sim, havia uma minoria negra. Mas não criemos, a partir disso, uma falsa questão: Copacabana é um bairro de classe média alta. E cosmopolita, epicentro de turistas. Há algumas favelas bem próximas, mas esperaríamos que o populacho descesse o morro, em peso, para ver uma ópera? É possível que alguns o tenham, em saudável curiosidade. Assim como é certo que, se o evento fosse em Santa Cruz, a platéia seria outra.
Gostaram ou não do que viram? Não dá pra dizer, mas é certo que o público, na sua maioria, estava muito entusiasmado, e não queria ir embora, queria mais música, mais espetáculo. Sim, música com espetáculo: iluminação, palco, propaganda – que podem ser dispensáveis para a música, num sentido mais amplo? Até podem, mas nem sempre, e nunca num concerto com essas proporções.
Universalizar o acesso do povo à diversidade das manifestações artísticas do país é um trabalho fundamental em qualquer disposição democrática. Karabtchevsky, com o capital político que seu nome angariou, está contribuindo muito nessa direção: para que a coletividade possa escolher o que gosta, a partir da própria experiência, suprimindo-se a ignorância que é gerada a partir de um apartheid, da segregação social que se manifesta em diversos níveis, nas complexidades de cada grupo social. A África também é aqui, e lá não há somente negros.
Começa o espetáculo e as pessoas se ajuntam, ficam ainda mais próximas. Uma estória que pode ter acontecido simultaneamente, com diferentes nuances, em vários pontos da platéia: duas amigas, atrás de mim, não paravam de falar, aos altos brados, o que me deu muita raiva. O famoso ruído para que se calassem não demorou a aparecer, inclusive da minha boca, sinalizando o alto nível de adesão do público. A resposta delas foi a pior possível: “Quer silêncio, vai ao teatro!”. O engraçado era que elas não aparentavam ter a experiência de ir ao teatro, ou de assistir a concertos de música em silêncio: deu para ouvir que elas só comentavam sobre a beleza do palco e das luzes, mais nada. A vontade era de mandar elas irem para casa ver novela da Globo, não pela manifestação de ignorância, mas pelo culto à mesma, na recusa em calar-se diante da maioria que estava muito interessada em assistir – ver e ouvir – a apresentação da orquestra. Desnecessário dizer que eram duas barangas?
Enquanto vozes melodiosas se empunhavam através de poderosos diafragmas no palco, Coca-Cola, água mineral e Skol, faço questão de nomear os produtos, eram anunciados também por enérgicos gritos, ritmados pelos ambulantes que honestamente aproveitavam para ganhar a vida. Mas, em relação a esses, não dava vontade de reclamar para que se calassem. Alguma coisa dentro de mim, e também das pessoas que estavam em volta, dava legitimidade para que aqueles trabalhadores gritassem sem que nossos ouvidos se arranhassem.
Termino com uma associação. Nos últimos dias, li uma curta e singela redação escrita pela minha pequena prima, que acabou de completar nove anos. A história era a seguinte: tinha jogo do Brasil no Maracanã e dois personagens iam ao estádio: um, para assistir à partida; o outro, para vender alguma coisa no sinal de trânsito e ajudar nas despesas da casa. O Brasil ganhou e, no final daquelas sensíveis linhas, ambos estavam felizes: um, por causa da vitória, e o outro, porque ganhou “muito dinheiro”. É realmente muito emocionante notar na pequena um desejo de que o trabalhador volte para casa tão satisfeito quanto aquele que foi ali para se divertir, ainda mais quando é um trabalho muitas vezes considerado como ilegítimo, e realizado em condições precárias, nem um pouco confortáveis. O nome da composição dela era “O Domingo Legal”.
sexta-feira, setembro 01, 2006
O MST e o governo Lula
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Stédile: povo fará luta de classes num 2º mandato
Reuters
18:58 28/08
BRASÍLIA (Reuters) - O líder do MST, João Pedro Stédile, prevê um quadro político turbulento em um eventual segundo mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Ele avalia que, se Lula mantiver o modelo neoliberal dos três últimos anos de governo, perderá seu principal ativo político --o povo-- e ficará refém de um Congresso hostil.
Fundador de um dos mais importantes movimentos sociais do país -- o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra--, Stédile explica que a onda de protestos não buscará a desestabilização do governo e que as mudanças só acontecerão sob a pressão das ruas.
"Teremos um caldeirão social prestes a eclodir..., em algum momento, em luta social no segundo mandato. Nós queremos a retomada das lutas sociais e da mobilização de massa. Nós, do MST, participamos desse caldeirão para que o governo abandone as medidas neoliberais que adotou e adote medidas que reconduzam a um outro projeto de desenvolvimento nacional", disse Stédile em entrevista exclusiva à Reuters, no sábado.
Na avaliação de Stédile, distante de sua base popular, o presidente ficaria rendido às "forças de direita eleitas em maioria no Congresso e nos Estados", que manteriam a corda do impeachment no pescoço do presidente.
"Eles vão segurar o processo de impeachment na gaveta do Congresso. Cada vez que Lula ameaçar com algo mais contundente, eles puxam a gaveta e mostram o impeachment, que é um processo puramente político, que não precisa de provas materiais. Será uma ameaça permanente", disse.
"Isso seria uma barbárie. Por isso, faremos a mobilização popular, pois queremos que Lula, pressionado, se reaproxime de nós", explicou.
A receita de Stédile para libertar Lula da clausura política prevista pelo líder do MST é simples: ouvir o clamor das ruas. O presidente, segundo ele, precisa mudar a estrutura produtiva do país e fazer uma reforma agrária massiva.
"Lula tem sensibilidade social e é fruto desse meio. Com as pressões, ele mudaria ou, pelo menos, se manteria aliado dos movimentos sociais", apostou Stédile.
AOS BANCOS, TUDO. AOS AMIGOS, LONA PRETA
Em relação à reforma agrária, o MST guarda o ressentimento de uma mudança prometida, mas que não veio. Lula não teve "coragem" de fazer a distribuição de terras aos pobres, e acentuou a concentração de renda nas mãos dos ricos, reclamou o líder do movimento.
"O governo nem conseguiu atingir as metas de assentar 400 mil famílias em quatro anos. Eles dizem que assentaram 280 mil famílias até agora. Não é verdadeiro. Eles assentaram, no máximo, 150 mil famílias, metade delas do MST", contou.
"No cálculo dos movimentos, deve ter hoje, em todo país, umas 140 mil famílias acampadas, a maioria delas acampadas desde o início do governo, esperando há três anos debaixo da lona preta, porque eles foram acampar, inclusive, pela motivação de que, com Lula, a reforma saísse", lamentou.
Ele reconheceu avanços, como o aumento de recursos destinados à agricultura familiar, mas se queixou da prioridade dada aos bancos e às empresas do agronegócio.
Quanto aos programas sociais de Lula, como o Bolsa Família, motivo de orgulho do presidente, o líder do MST é crítico. Diz que eles não passam de uma "ilusão", de medidas paliativas para compensação social.
A reforma agrária, segundo ele, teria sido mais eficaz na promoção de mudanças estruturais. "A reforma agrária faz parte do capitalismo, ninguém espera chegar ao socialismo com ela", disse.
HELOÍSA, "O GRILO FALANTE"; ALCKMIN, "O LARANJA"
Stédile pinta um quadro turbulento para os próximos quatro anos e garante que a cruzada popular por mudanças já começou. Há alguns meses, ele chegou a fazer uma avaliação eleitoral polêmica, ao menos para alguém que sempre foi aliado do PT. Queria um Lula vencedor, mas somente no segundo turno. Agora, já não sustenta essa convicção.
"Hoje, a 30 dias da eleição, eu já tenho dúvida. Eu torcia por um segundo turno para ter um contraditório. Como não tem debate de projetos, temos uma campanha medíocre. Alguns têm dito que, se vai para segundo turno, Lula ficaria ainda mais refém das forças conservadoras", afirmou.
A torcida do líder do MST por Lula é pragmática, não guarda mais a esperança de 2002. A disputa eleitoral não o entusiasma, ao contrário, o desestimula. "Geraldo Alckmin (candidato do PSDB à Presidência) não tem nenhum carisma eleitoral para derrotar Lula. Então, a burguesia o jogou como laranja nestas eleições, como kamikaze, boi de piranha, porque se eles quisessem de fato disputar eleitoralmente com Lula, teriam botado José Serra, que também não teria chance, mas chegaria mais perto", avaliou.
A candidata do PSOL, Heloísa Helena, dona de um discurso com vários pontos de contato com a visão de mundo de Stédile, é vista por ele como uma representante sem base e sem projeto --"um grilo falante, que só sabe denunciar, denunciar, mas que não espelha a classe trabalhadora do Brasil."
"Eu tinha expectativa que outras forças sociais, como o PMDB nacionalista, tivessem colocado candidato, que fosse o Itamar Franco, porque isso provocaria um debate em torno de projetos. Mas o PMDB não conseguiu botar candidato, se esfacelou", lamentou.
segunda-feira, maio 01, 2006
O enigma PSOL
O motivo pelo qual me dou ao trabalho de escrever este texto é o PSOL. Confesso ser esse um tema que me intriga e entristece, e por vezes também me confunde. Nas coisas da política, tenho o costume de julgar outras pessoas usando um critério bastante estrito e claro: a capacidade de interpretar, minimamente que seja, as exigências do momento presente, sem que para isso seja necessário que esqueçamos que em nosso horizonte sempre devem estar as transformações sociais de grande alcance, ou falando em Português claro, a Revolução. A Revolução não é ruptura brusca e amorfa, evento histórico supostamente inevitável; ela é construída pelos Homens em seu processo histórico, saibam eles ou não o que estão fazendo. A Queda da Bastilha não é a Revolução Francesa, os acontecimentos de Outubro de 1917 não são a Revolução Russa - esses eventos são parte de um processo, parte evidentemente com carga simbólica especial, mas parte. É preciso que saibamos assimilar as condições de possibilidade de nosso espaço e de nosso tempo - e, principalmente, de nossos homens.
Há exemplos e exemplos, mas podemos ficar aqui mesmo, pela nossa América. Vejam a Revolução Cubana, viva até hoje; vejam a Venezuela de Chávez. As condições históricas dessas duas experiências são absolutamente singulares no tempo, no espaço, nos seres humanos concretos envolvidos. Poucos quilometros de distância entre Havana e Caracas, mas como são diferentes as coisas que se pode ou não fazer! A natureza das resistências, as prioridades, os limites estruturais, o percurso histórico, os desejos do povo, tudo diferente, difícil de compreender. Se colocamos a Bolívia de Morales e o Brasil de Lula no caldeirão, as diferenças tornam-se ainda mais radicais.
O que quero dizer é: dessa perspectiva, a da capacidade de realizar a interpretação do momento presente e posicionar-se, não há outra alternativa senão julgar o PSOL como um partido reacionário de direita. Pelos posicionamentos concretos, inclusive discursivos, dentro da luta política brasileira, o que se vê é que o PSOL não quer enxergar a complexidade das relações de poder do país, mantendo-se numa posição messiânica e falso-moralista de caráter fortemente higienista (somos todos limpos! vocês é que se sujem na realidade!), não reconhecendo nenhum dos avanços do Governo Lula com relação ao Governo FHC, e negando-se a contribuir minimamente com o debate destinado a permitir a inflexão de um segundo governo cada vez mais para a esquerda. O PSOL me lembra, cada vez mais, uma das ótimas frases de Raul Seixas: "convence as paredes do quarto e dorme tranquilo, sabendo do fundo do peito que não era nada daquilo".
Essa posição, por si só, não os caracterizaria como um partido reacionário de direita; seria o PSOL somente uma reunião de esquerdistazinhos com medo de sujar as mãos na merda que é a realidade do exercício da política, com a consequencia, claro, de não fazer nada nunca, e portanto não errar nunca, para alimentar seus discursos bonitos e ineficazes - seriam os acadêmicos da política, digamos assim. Mas o buraco, aqui no Brasil, foi mais embaixo. Foi no momento em que os meios de comunicação brasileiros, aliados às elites nacionais, decidiram liderar uma campanha moralista contra o Governo Lula, com o intuito de recolocar as elites políticas tradicionais (PFL) e o neoliberalismo radical (PSDB) no comando novamente - foi neste momento, ao embarcar na onda, que o PSOL se colocou na mesma posição daqueles que supostamente combate; emprestou sua imagem "limpinha" ao jogo sujo da mídia e da direita, escolhendo como seu adversário mortal o Governo Lula e o PT, não percebendo que, nesse jogo, a vitória da mídiocracia seria a derrota, sabe-se lá por quanto tempo, de toda a esquerda e dos movimentos sociais. Mirou em Lula e atirou no próprio pé, com artilharia emprestada do inimigo. E, espero estar certo ao dizê-lo, felizmente errou o tiro.
Se Heloísa Helena, Babá, Luciana Genro, Chico Alencar e cia fossem a única coisa no PSOL, estaria tudo explicado, não haveria dúvida. Um misto de histeria e burrice, entremeados a um ódio ao PT, que nada mais é do que o avesso do amor patológico que tinham por sua antiga legenda. Mas há mais no PSOL do que essas figuras desprezíveis.
Há Francisco de Oliveira, Carlos Nelson Coutinho, Ricardo Antunes, até César Benjamin, futuro vice-candidato de HH, me parece um sujeito respeitável, apesar das besteiras que fala. Diante do passado que têm, não coloco em dúvida o comprometimento dessas figuras com o pensamento e prática da esquerda. É evidente que de boas intenções o inferno está cheio, mas não se trata aí de intenções; falo isso baseado no que concretamente fizeram e escreveram no passado. Que fazem eles no PSOL, e não do nosso lado, tentando abrir espaços de transformação social, com toda a dificuldade e eventual frustração que isso implica?
Talvez seja ingenuidade minha propor essa pergunta, mas realmente não sou capaz de dar a ela uma resposta satisfatória. Das duas, uma: ou minha leitura da situação política atual está completamente equivocada, ou há algo de imcompreensível na divisão das forças de esquerda num momento crucial como este.
quarta-feira, abril 12, 2006
Mudando um pouco de assunto (ou não)
Tráfico nada tem de revolucionário
MARCELO FREIXO ESPECIAL PARA A FOLHA
O tráfico é uma empresa capitalista das mais eficientes e completamente adaptada à realidade neoliberal que se instalou no Brasil na década de 90. É uma empresa concentradora de renda, altamente lucrativa, que utiliza mão-de-obra barata.
sexta-feira, abril 07, 2006
Quem te viu, quem te vê FHC
Quem te viu e quem te vê! Segue a íntegra do texto.
"Não tenha dúvida"
São Paulo, domingo, 30 de maio de 1999
RENATA LO PRETE