Brincando com números
Dentre as mais eficientes estratégias para desinformar seu público, uma das mais utilizadas por jornais, revistas e portais de internet ainda é (acreditem!) a manipulação descarada das manchetes. Para eles, a primeira impressão é a que fica. Será?
Todos os dias, caminhando para o trabalho, passo por uma grande banca de jornal, dessas que hoje proliferam-se pela Zona Sul do Rio de Janeiro. Penduradas em espaço reservado, numa das faces da banca que está voltada para a calçada, ficam as primeiras páginas dos jornais do dia, devidamente plastificadas para que o jornal não possa ser folheado por qualquer um. Ali o povo lê, da calçada, as manchetes - só as manchetes. No horário do almoço sempre há multidões disputando um lugar na platéia e, ao final do dia, poucos são os que efetivamente compram e lêem os jornais ali expostos.
O que não deixa de ser uma boa notícia, digamos assim.
Os grandes portais de internet (uol, ig, terra, globo.com, etc.) funcionam mais ou menos dessa mesma maneira. Milhares (ou milhões, quem sabe?) de pessoas acessam esses sites para dar uma "olhada rápida" nas notícias do dia, no que de mais importante aconteceu no Brasil e no mundo. Raramente estão dispostos a perder muito tempo lendo as matérias completas, e estão menos dispostos ainda a buscar outras fontes de informação, outras versões, outras opiniões.
Eu mesmo faço isso inúmeras vezes, confesso. Numa dessas ocasiões, me deparei com uma manchete que dizia mais ou menos assim:
Eleitores relacionam imagem de Lula à defesa dos pobres e à corrupção.
Senti o cheirinho da manipulação e fui conferir. A notícia evocava uma pesquisa do instituto datafolha que chegou, basicamente, às seguintes conclusões:
- 48% dos eleitores ligam Lula à defesa dos interesses dos pobres.
- 44% dos eleitores não ligal nenhum dos candidatos à presidência à corrupção.
- 25% dos eleitores ligam Lula à corrupção.
Do que se pode depreender, sem muito esforço intelectual:
- Aproximadamente metade dos eleitores ligam Lula à defesa dos interesses dos pobres.
- Aproximadamente metade dos eleitores não estão interessados na paranóia moralista da burguesia.
- 75% dos eleitores, ou 3/4 deles, não ligam Lula à corrupção.
Então, qual confusão a manchete quis deliberadamente criar?
A de que é o mesmo grupo de pessoas (os "eleitores") que considera Lula o "pai dos pobres" e "o corrupto", para insistir na concepção golpista de que o povo, apesar de achar que o presidente é um ladrão safado, vota nele porque é "comprado" pelo bolsa-família.
O problema é que os números da pesquisa dizem justamente o contrário. Basta que se faça uma relação simples, mesmo que essa relação não possa ser encarada de forma absolutamente linear. Os índices dos que ligam o presidente aos pobres e à corrupção são muito próximos aos índices de intenção de voto em Lula e em seu principal adversário-xuxu, em pesquisa realizada pelo mesmo instituto, na mesma semana (51% a 27%) - não parece evidente que não é o mesmo público que avalia a imagem de Lula assim ou assado?
Poderíamos enumerar muitas outras manchetes para divulgar os números da pesquisa. Esse é um exercício que não me interessa fazer. Basta dizer que o índice daqueles que ligam Lula à corrupção é menor do que o índice dos eleitores que votam em outros candidatos. Vejamos:
- Em todas as pesquisas, Alckmin tem mais ou menos 25%
- Em todas as pesquisas, Heloísa Malvadeza tem mais ou menos 10%
- Em todas as pesquisas, forçando a barra, os outros candidatos tem mais ou menos 5%
- Em todas as pesquisas, Lula tem mais ou menos 50%
- Em todas as pesquisas, os adversários de Lula, somados, tem mais ou menos 40%
Isso quer dizer que 40% do eleitorado não vota em Lula, mas apenas 25% do eleitorado o liga à corrupção, do que se depreende que, apesar de toda a campanha anti-Lula da mídia durante os últimos 15 meses (!), sua imagem, ao contrário do que diz a manchete em questão, não está ligada à corrupção. Este é um dado positivo para o presidente, não negativo.
Tal fato fica ainda mais evidente quando acrescentamos à análise dados que não aparecem em estatísticas. Por exemplo? O perfil dos eleitores de Alckmin e HH. Podemos afirmar, sem maior risco, que esses eleitores são os mesmos que consideram Lula um "bandidão". Trata-se da parcela mais influenciada pela grande mídia, a classe média pequeno-burguesa, preconceituosa, mal informada e incapaz de compreender o mundo para além de seus próprios umbigos - não é à toa que Geraldo (vocês sabem quem é Geraldo?) e Heloísa disputam os mesmos votos, o mesmo eleitorado. É evidente, cristalino, que grande parte desses eleitores ligam Lula à corrupção. Qual a novidade da pesquisa?
Fernando Henrique Cardoso, o "lacerdinha", está sendo bem-sucedido em sua convocação para que botem "fogo no palheiro". É uma pena (para ele), que esse sucesso só se dê entre os seus companheiros da grande imprensa, amigos de todas as horas. Afinal, não é por qualquer um que se esconde uma crise cambial para que o amigão seja reeleito, não é mesmo?
A democratização e a regulamentação dos meios de comunicação são tarefas urgentes. E não serão tarefas fáceis.
Mais informações sobre a pesquisa em www.datafolha.com.br.
1 Comments:
Os números não mentem.
Mas, quem os maneja sim.
Parabéns pela exposição.
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