segunda-feira, março 20, 2006

Há uma lacuna

Quem vai se dipor a escrever uma história dessa "crise"?
A crise a qual me refiro é a do sufocamento do que restava de democracia neste país, não a suposta crise do Governo Lula.
Durante os últimos dez meses, qualquer ilação foi tomada como verdade quando interessou aos que controlam os meios de comunicação; não houve necessidade de se reunir provas, nem mesmo foi preciso que as denúncias fossem minimamente verossímeis, para que se passasse ao linchamento público de pessoas e instituições; não bastasse a atitude dos meios de comunicação, agentes políticos que representam a população tomaram a mesma atitude, teceram declarações eloqüentes para abastecer a mídia, sem provas, e puniram colegas sem nenhum elemento material para condená-los, como aconteceu com José Dirceu no congresso nacional; esses mesmos agentes tentaram impedir a qualquer custo a governabilidade da administração federal, sob qualquer pretexto, impedindo até a aprovação do orçamento público para 2006, instalaram CPI´s sem objeto nem credibilidade, fazendo com que a maioria dos parlamentares simplesmente não exercessem suas funções; as instâncias corretas de investigação, como a Polícia Federal e o Ministério Público, foram esvaziados pela mídia e pelos agentes políticos da oposição ao Governo Lula, como se sua função precípua fosse acessória, e como se os parlamentares do PSDB e do PFL tivessem mais know-how e isenção para fazer investigações do que eles; não houve nenhuma preocupação, na divulgação das informações e na investigação política dos pseudo-episódios, com provas documentais, as testemunhas de acusação não foram questionadas em sua isenção e inserção política, o direito de defesa e a publicidade desta foram negligenciados; estimulou-se largamente a criminalização irresponsável de um, apenas um partido político, e qualquer tentativa de contextualização histórica e comparação com as atitudes de integrantes de outros partidos foi desmoralizada pelos meios de comunicação; as denúncias que envolveram outros agentes e partidos, que não fossem ligados ao Governo Federal, foram minimizadas, negligenciadas, quando não totalmente ignoradas, e impediu-se sistematicamente a apuração dessas denúncias, como na República Tucana, São Paulo, onde a maoria governista-alckmista da Assembléia Legislativa impediu a instalação de mais de cinquenta (50) CPI´s para a apuração de denúncias ligadas ao Governo Estadual.
Eu poderia passar a noite inteira dando exemplos. O nome disso é GOLPE DE ESTADO, um golpe mais sutil, mais "moderno", mas ainda assim golpe. Isso é que constitui o núcleo da crise que vivemos há quase um ano.
É preciso que alguém, com urgência, se disponha a escrever a história dessa crise. Em momentos como este não há razão para esperarmos, não podemos nos dar ao luxo de analisarmos a situação a partir uma distância mais adequada, que nos permitiria avaliar melhor as relações de força. Repito, trata-se de uma tarefa urgente. É imperativo para o combate político de hoje compreender com detalhes quais são os mecanismos e as estratégias das elites para garantir seu poder - e sua renda.
Uma pesquisa histórica ágil e minuciosa, que comparasse e analisasse episódios, documentos, declarações, vinculações, etc. e construísse um relato histórico abrangente, diferente do relato dos meios de comunicação - é isso o que espero dos sites, blogs, revistas e jornais que ainda se dão ao respeito neste país. Espero que alguém com qualificação suficiente para isso resolva contar essa história.
Se o PSDB vencer as eleições de outubro, estaremos bem próximos de assistir a mais uma das muitas injustiças históricas cometidas neste país. A avaliar pelo embotamento histórico e político do discurso que hoje prevalece em jornalecos e academias, nossos filhos e netos lerão em seus livros didáticos que o Governo do presidente Lula da Silva, metalúrgico, nordestino, mal-educado, ignorante, ladrão e semi-analfabeto, iniciado em janeiro de 2003 e terminado em dezembro de 2006, foi o "governo mais corrupto da história". Quem mandou dar poder a essa "raça", como diria nosso Senador Bornhausen?
É preciso que outros significantes comecem a circular.