quinta-feira, fevereiro 01, 2007

Eu gosto de sofrer. Será?

Minha teoria é a seguinte: eu gosto de sofrer.

Porque ter que me aborrecer, nessa altura do campeonato, vendo Jornal da Globo, é muita vontade de sofrer. Porque diabos estava eu vendo a Rede Globo a esta hora da noite?

O fato é que eu vi, está visto, eu já me aborreci, agora tenho que escrever sobre isso. Sorte (para os leitores) que quase ninguém lê o que eu escrevo mesmo.

Vamos lá: o Governo, finalmente, decidiu fazer as contas da previdência de uma forma honesta, correta. E é correta, basicamente, por três motivos, dois técnicos e um nem tanto.

  1. Qualquer idiota que já tenha visto um orçamento sabe que a "renúncia de receita" é uma despesa para fins de contabilidade. Quando o Governo concedia insenções diversas sobre as contribuições previdenciárias, que não tinham nada a ver com a política da previdência social, como as isenções do SIMPLES (regime de tributação simplicada para micro e pequenas empresas), das instituições educacionais que participam do PROUNI (política de educação), ele contabilizava essa "renúncia de receita" como "despesa previdenciária". Minha pergunta: isso é despesa previdenciária? Não. Então o suposto "rombo" da previdência diminui uns 18 bilhões, se você contabiliza direito, como vai fazer o Governo agora.
  2. Quem já teve a oportunidade de ler nossa Constituição sabe, também, que a previdência social é um dos pilares de um tripé, a Seguridade Social. Os outros dois são a Saúde e a Assistência Social. A Previdência Social é contributiva, a Assistência Social não. Nossa constituição, de forma mais do que justa, deu o direito de aposentadoria a milhões de trabalhadores rurais que nunca haviam contribuído para a previdência, basicamente para que eles não morressem de fome, e para reparar uma injustiça, já que esses trabalhadores deram sua contribuição à sociedade com seu trabalho, e não tiveram acesso a uma sistema de seguridade social. É política social. É assistência social. Deve entrar nas contas do déficit da previdência? Não. O suposto rombo diminui mais uns 20 bilhões, se você contabilizar corretamente. Dos 42 bilhões alardeados, ficam 4 bilhões.
  3. Agora o motivo "não-técnico", porque político. Trata-se de fazer a contabilização correta, não para fingir que não existe déficit na conta do Tesouro Nacional, mas justamente para sublinhar que é um déficit na conta do Tesouro, não nas contas da Previdência simplesmente. Trata-se de modificar os termo da discussão, para que os "cabeças de planilha" (bela expressão de Luís Nassif) tenham, pelo menos, que enfrentar a contra-argumentação de que não é vilipendiando os direitos sociais (principalmente através de uma manipulação contábil) que os problemas do país serão resolvidos. Os conservadores, quando Lula disse que quer crescer com democracia e justiça, logo se atiçaram e pensaram que era um recado para o Chávez. Nonada, como diria Riobaldo. É uma alusão ao crescimento da China e da Índia, otários.

Decisão louvável a do Governo. E eu, vendo o Jornal da Globo noticiar a decisão... preciso dizer o que encontrei? Uma avalanche de pseudo-economistas desancando a medida, os âncoras ouriçadíssimos, com aquelas caras de "sabedoria", levantando a bola para um economista-chefe-genérico cortar.

Duas frases e uma tabela chamaram a minha atenção.

As frases:

  • "Os economistas dizem..."
  • "...esse truque contábil..."

A primeira, dita pelo repórter que fez a matéria, denuncia o modus operandi desse tipo de veículo, e demanda a pergunta: onde diabos estão os muitos economistas que "não dizem" o que a Globo quer ouvir? Porque eles não foram ouvidos?

A segunda frase, dita pela âncora gordinha cujo nome não me recordo, durante a discussão com o "especialista", denuncia outra faceta desse tipo de manipulação: inverte-se a notícia, para dar-lhe outro sentido. Ora bolas, o que o Governo fez foi decretar o fim de um truque contábil.

Mas o mais impressionante foi a tabela...

Depois de demonstrar, por A + B, que a medida não faria diferença nenhuma, e decretar - de forma primária - que a contabilização deve ser: qualquer aposentadoria menos arrecadação só de contribuições - depois disso, o especialista-economista-chefe-de-tigela, Sardenberg se não me engano, apresentou aos espectadores uma tabela, que comparava o gasto de EUA, Alemanha, Brasil e Argentina, em porcentagem do PIB, com previdência, com o percentual de idosos desses países, em relação à população total. Genial, não?

Não me lembro os números da Argentina, já estava irritado. Mas os outros são os seguintes, aproximadamente:

  • Brasil: 12% do PIB de gastos e 6% de população idosa
  • EUA: 6% do PIB de gastos e 14% de população idosa
  • Alemanha: 12% do PIB e 19% de população idosa

Como gasta este Brasil, Sardenberg!

Mas qual o PIB e população desses países mesmo? Isso não vinha na tabela. Aí está (dados de 2005):

  • Brasil: o PIB é de mais ou menos 650 bilhões de dólares; população de uns 185 milhões
  • EUA: PIB de mais ou menos 13 trilhões; população de uns 300 milhões
  • Alemanha: PIB de uns 2 trilhões e 850 bilhões; população, uns 82 milhões

Isso significa o seguinte (se tomassemos como informação verdadeira - não é - que todos os idosos de um país recebem aposentadoria, e que todas as aposentadorias são para idosos; e se tomarmos os dados como verdadeiros):

  • O Brasil gasta, aproximadamente, 7000 dólares por cabeça de véio por ano
  • Os EUA, 19.000
  • Alemanha, 21.000

Truque contábil?

Vamos supor que o cabeça-de-planilha estivesse, com essa informação, supondo razoável que o Brasil gastasse com previdência a mesma proporção (%PIB/%Idosos) que esses dois países. Teríamos o seguinte:

  • Se a comparação for com os EUA, o Brasil só deveria gastar uns 3% do PIB, ou seja, os velhinhos iriam ganhar, em média, uns 140 dólares por mês. Marajás!
  • Se for com a Alemanha a comparação, o Brasil deveria gastar mais, uns 4% do PIB. A média subiria para 200 dólares. Será possível tanta mamata?

A pergunta que não quer calar: Sardenberg aceitaria receber essa aposentadoria? Quanto deve custar aquela gravata?

5 Comments:

Anonymous Anônimo said...

Cinco ex-presidentes do BNDES no banco dos réus

Dezessete ex-executivos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), entre eles cinco ex-presidentes, estão sendo processados na 5ª Vara Federal Criminal do Rio, acusados de gestão temerária e crime contra o sistema financeiro. O autor da ação é o Ministério Público Federal (MPF) no RJ.

Entre os acusados estão os ex-presidentes do banco Luiz Carlos Mendonça de Barros, José Pio Borges, Andrea Calabi, Francisco Gros e Eleazar de Carvalho Filho.

O MPF argumenta que ocorreram irregularidades na concessão de empréstimo para a privatização da Eletropaulo, do governo de São Paulo, para a uma então subsidiária da Light, controlada à época pela AES, EDF, Houston Industries Energy, BNDESPar e CSN.

Em abril de 1988, a diretoria do banco decidiu financiar até 50% do preço mínimo do leilão, o equivalente a R$ 1,013 bilhão. O MPF alega que deixaram de ser levadas em conta normas de segurança bancária, gerando risco à instituição de fomento.

9:56 AM  
Blogger Unknown said...

Seus comentários de elevado nível de sagacidade estão circulando por email agora entre os meus familiares.

Continue assim que o SIVUCA vai remexer este país.

11:58 AM  
Anonymous Anônimo said...

A semana deve trazer novidades no relacionamento entre a governadora Yeda Crusius e seu vice, Paulo Feijó. Em entrevista ao Correio do Povo, neste domingo, Yeda diz que Feijó foi desleal e que não confia nele. Sem qualquer atribuição no governo, o vice segue sua cruzada contra o atual presidente do Banrisul, Fernando Lemos, ligado ao senador Pedro Simon (PMDB). Simon e o PMDB gaúcho já declararam guerra a Feijó e preparam chumbo quente contra o dito cujo. O vice-governador, por sua vez, aguarda a resposta de um pedido de audiência com Yeda para tratar do conteúdo da carta que enviou à mesma tratando do “risco de escândalo” envolvendo Lemos. Segue a íntegra da carta que Feijó enviou para Yeda na semana passada:

"Excelentíssima Senhora, Yeda Rorato Crusius - Governadora do Estado do Rio Grande do Sul - Prezada Governadora - Ao cumprimentá-la cordialmente. venho, através desta carta, abordar um assunto que considero da maior importância. Em conversa que tivemos, no dia 15 de dezembro de 2006, com a presença do futuro secretário Nelson Proença, no centro de treinamento da PROCERGS, tive a oportunidade de expor a vossa excelência que não lhe pediria cargos e também que não indicaria nomes para estatais ou secretarias em nosso governo. Apenas gostaria de ter a minha opinião considerada em relação a eventuais indicações que me parecessem não ser as ideais para fomentar o desenvolvimento responsável no nosso Estado. E a possibilidade da permanência do Sr. Fernando Lemos na presidência do Banrisul muito me preocupa. A questão é muito séria.

O fato é que não podemos arcar com o ônus de manter na direção do Banco do Rio Grande do Sul uma pessoa que muito em breve pode ter sua conduta questionada publicamente, manchando a imagem do nosso governo. Se, ao contrário, firmássemos a palavra empenhada em campanha, colocando na Presidência do Banrisul um técnico, funcionário de carreira, estaríamos afastando o risco de um escândalo desnecessário e ganhando, com certeza, a confiança dos servidores públicos. O nosso governo só teria a ganhar e a sociedade gaúcha teria um Banrisul administrado de forma mais responsável e eficiente. Paulo Afonso Girardi Feijó, Vice-Governador do Estado do Rio Grande do Sul”.

12:15 PM  
Anonymous Anônimo said...

Que escandalo é este que Feijo alerta ao final?

3:57 PM  
Blogger Na Periferia do Império said...

Prezado...

Só a introdução já valeu a pena. rs

um abraço

7:47 PM  

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