A Morte e as Mortes
Mas diz-se pouco. O discurso é, via de regra, o mesmo. O que torna tudo ainda mais complexo.
Fala-se muito, diz-se pouco, no que há aí um silêncio gritante, ensurdecedor.
A morte do menino foi bárbara, chocante, lamentável, tudo de ruim, nem mil adjetivos sintetizam. Tocou uma considerável parcela da sociedade brasileira. E esse já é um primeiro ponto: será que podemos dizer que essa morte chocou a todos da mesma forma?
Eu poderia ter posto uma interrogação após o "todos", mas preferi ser otimista.
Mortes bárbaras. Vou assumir o risco de uma comparação. Há alguns meses atrás, um ônibus pegou fogo com várias pessoas dentro, que morreram carbonizadas. Houve comoção, mas não como agora.
Dessa vez foi uma criança. Branca e bonita. Não era pobre. Será que isso tem influência nessa comoção toda?
Paro para pensar. Será que no caso do ônibus incendiado não houve mesmo tanta comoção como agora? Ou será que foram outras parcelas sociais que se comoveram? Ou será que aquela comoção não foi tão propagada quanto essa?
Essas perguntas são respondíveis assim?
Pertinentes elas são, se quisermos analisar para onde nossas comoções estão nos levando. E de que lugares elas partem, onde são produzidas.
Pensar nas determinações dessas comoções implica, necessariamente, em pensar a produção dessas mortes.
Lá vou eu me arriscar de novo. Pelo que se fala, não foram assassinatos premeditados, mas dois, digamos, com o perdão da indelicadeza da expressão, “acidentes de percurso”, em atividades reconhecida e sabidamente perigosas – incendiar ônibus e roubar carros com pessoas dentro.
Mortes bárbaras. É também lógico supor que tem muita morte bárbara acontecendo por aí e ninguém se comove? Já ouvi histórias muito terríveis sobre torturas seguidas de morte que acontecem, apenas para citar um exemplo, nos porões da indústria do tráfico de drogas do Rio de Janeiro (isso para não citar outras indústrias - ou outras torturas).
Mas ninguém se comove com essas histórias? As pessoas próximas, as testemunhas imediatas, essas pessoas se comovem, e muito. A questão é: por que estas comoções não se propagam?
Comoção, propagação, muito, pouco, barulho, silêncio. A questão distributiva. As intensidades.
Há uma algazarra histérica. E esse barulho todo, produzido por poucos, que esmaga o silêncio subjacente, produzido por muitos, é genocida. E suicida.